Pessoal,
Estamos aqui novamente trazendo mais uma informação sobre o biocombustível. Nesta nova publicação, a matéria em destaque "Biocombustível ou Comida" tem gerado muita polêmica entorno do assunto, o que tem permitido uma maior reflexão sobre o tema.
Biocombustível ou Comida?
Antes uma luz no fim do túnel, o etanol hoje é acusado pela alta nos preços e pela falta de alimentos. Será um mundo pequeno demais para os dois?
Juliana Tiraboschi
Juliana Tiraboschi
México, janeiro de 2007: o povo sai às ruas contra o aumento de 400% da tortilha. O prato nacional mexicano é feito com milho branco, mas o preço acompanha o do milho amarelo, valorizado pelas usinas de etanol dos EUA. Egito, março de 2008: uma multidão se acotovela em uma padaria no Cairo atrás de pães subsidiados pelo governo. Haiti, abril de 2008: protestos contra a fome resultam em cinco mortos, 50 feridos e na renúncia do primeiro-ministro Edouard Alexis. Mianmar, maio de 2008: o ciclone Nargis devasta 65% das lavouras de arroz. Indiferentes, os militares que governam o país aproveitam a alta do grão para exportar seu estoque.
Fúria mundial: Crise da tortilha, no México (esq.), e protestos violentos no Haiti (dir.) contra a falta de alimentos
Todas essas histórias estão relacionadas à pior crise de preços de alimentos dos últimos 40 anos. E quem - ou o quê - seria o culpado? Para Jean Ziegler, especialista em direito e consultor independente da ONU, são os biocombustíveis, que estariam tomando o espaço destinado à produção de comida. A questão já virou até verbete na Wikipédia, "Fuel vs. Food". Isso inclui o etanol de cana-de-açúcar brasileiro, o popular álcool. Se há dois anos o mundo todo elogiava nosso investimento nesse combustível renovável, hoje surgem críticas de organizações não-governamentais e governamentais.
Para alegria dos produtores e do presidente Lula, que tem no etanol uma das suas principais bandeiras, muitos pesquisadores, empresários e políticos discordam do consultor da ONU. A democrata Hillary Clinton disse durante a campanha à Presidência americana que é exemplar a iniciativa dos brasileiros de reduzir sua dependência de petróleo. Até a União Européia isentou os biocombustíveis da culpa pela alta dos alimentos, responsabilizando a demanda por comida e a subida do preço do petróleo, que afeta toda a economia.
Reação em cadeia Mas afinal: para abandonar o petróleo, é preciso esvaziar um pouco o prato? A questão é complexa. Sílvio Porto, diretor de logística e gestão empresarial da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), afirma que, apesar de não ser a única causa, o que alavancou a crise foi mesmo o deslocamento de 80 a 90 milhões de toneladas de milho para a produção do etanol nos EUA. "O que acontece em Washington pauta o mundo", diz. "O crescimento da área para o milho afeta a oferta de soja, algodão, entre outros, e influencia todo o mercado internacional", reforça André Nassar, diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Outros americanos contribuíram para a crise: aqueles que pegaram empréstimos que não podiam pagar para construir suas casas. O estouro da bolha no mercado imobiliário dos EUA fez com que investidores migrassem para as commodities agrícolas (termo de economês para designar os "best sellers" da lavoura), agitando ainda mais a panela. Outros fatores apontados pelos especialistas são o apetite de China, Índia e Rússia, que estão crescendo alucinadamente, e eventos naturais incontroláveis, como o ciclone que atingiu Mianmar, que contribuem um pouco mais para bagunçar a produção de alimentos.
O ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Luiz Fernando Furlan classifica como natural a alta nos preços. Em entrevista à revista "Época", disse que acha que até que demorou para o preço dos alimentos subirem, já que eles mantiveram-se estagnados durante 40 anos, enquanto tudo inflacionou.
Já se tornou um clichê entre especialistas em aviação dizer que um acidente aéreo nunca acontece por apenas um motivo, mas por uma série de falhas que, juntas, afetam um vôo em diferentes proporções. "Com o preço dos alimentos é a mesma coisa: são vários fatores que causam a alta", diz Ariovaldo Fellet, 63 anos, que desde 1987 planta alimentos em Itaberá, no interior paulista. Ele toca a fazenda Sementes Lagoa Bonita, junto com as filhas Vanessa e Andréa, ambas agrônomas. Para a família Fellet, a produção de alimentos é um bom negócio. Desde 2001, quase triplicaram a área plantada. Inicialmente dedicados à pecuária, hoje seus 2.500 hectares abrigam grãos como feijão, soja, milho e trigo. Mesmo entre os anos 2004 e 2005, temporada difícil pela seca e excesso de oferta, eles continuaram prosperando. Nem pensam em sucumbir à euforia pela cana.
Todo mundo em canaA 155 km para o leste, em Itapetininga (SP), o produtor Vilson Barreti conta uma história diferente. Há cerca de dois anos ele substituiu sua plantação de feijão pela de cana. Em 2007, com o primeiro corte, Barreti conseguiu recuperar toda a grana investida na transição de culturas. "Feijão é uma lavoura ingrata", diz. Segundo Barreti, a cana é menos suscetível ao clima e às pragas. Além disso, há uma usina a apenas 2 km do sítio. Aos 68 anos, ele está muito otimista com seu novo ramo de atuação (ele também cria 200 cabeças de gado e planta grama, além de cultivar soja e milho, que vende para indústrias de ração animal). O produtor lamenta apenas "não ter uma bola de cristal": largou o feijão e o preço subiu, enquanto a tonelada da cana caiu de R$ 51 para R$ 35 em um ano. "Mas não me arrependo. Fazia cinco anos que o feijão não dava lucro, eu não dormia de preocupação."
Barreti tem razão para ter um sono tranqüilo. Na região de Itapetininga, onde vive com a esposa e um casal de filhos, muitos outros estão se bandeando para o lado da cana, principalmente ex-pecuaristas. Barreti aguarda ansioso a época de corte da cana, no segundo semestre, quando prevê um lucro de 200 mil reais. Torce para que o Brasil aumente sua exportação de etanol e planeja, futuramente, instalar um sistema de irrigação para aumentar sua produção.
Um estudo recente do Ministério de Minas e Energia mostra que os derivados de cana-de-açúcar já geram 17% da energia do Brasil. São os vice-campeões: ultrapassaram as hidrelétricas (15%) e já são quase a metade dos derivados de petróleo (37%). Enquanto a área de pastagem no Brasil permaneceu estável nos últimos anos, em média, a de cana cresceu cerca de 800 mil hectares (ou cinco municípios de São Paulo), só na última safra. É um salto de 11,7%, segundo dados da Conab, totalizando 7,8 milhões de hectares. Desses, 4 milhões são dedicados à produção de álcool, incluindo o etanol.
Comentário: É bem típico de brasileiro aproveitar o "boom" inicial de qualquer atividade lucrativa para aumentar seus rendimentos e conseguir uma fatia deste mercado promissor. Porém, é necessário um olhar mais clínico sobre a real viabilidade de se trocar o plantio de alimentos pelo plantio de derivados do biocombustível. Será que num futuro não muito distante é bem provável que este novo produto venha a ser tornar tão inviável e tão inconstante como o gás natural? Afinal, o mesmo "boom" ao gás natural ocorreu, e hoje vimos o quão este produto se tornou insustentável, devido aos altos preços que se praticam no mercado. Já os alimentos, estes sim, além de alimentar o estômago, alimentam também a alma de toda uma nação.
Ótima postagem. Apenas um pecadinho no comentário: "plantio de derivados do biocombustível". Na verdade, o biocombustível é que é um derivado. Deriva da matéria-prima base utilizada em sua produção.
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